1º semestre de 2010

Doze horas e meia na 25

Por Carlos Giffoni

Todo paulistano já visitou alguma vez e muito brasileiro conhece de nome. A rua não é pequena, mas também não é grande. A concentração de pessoas em dias de semana, em vésperas de feriado, do Carnaval ao Natal, assusta. Muita gente foge dali. Muita gente sabe que aquele é o melhor lugar para resolver os seus problemas. Encontra-se de tudo. De tudo mesmo. Encontra-se todo o tipo de gente, inclusive gringo. Ô, como tem gringo. Não no sentido turista da palavra, mas no sentido internacional mesmo. Tem peruano e boliviano, tem chinês e japonês, tem americano e árabe, tem até alemão perdido. Em média, cerca de 500 mil pessoas passam todos os dias por ali. No final do ano, esse número chega a 1,2 milhão. A Rua 25 de Março, localizada no centro de comércio popular em São Paulo, é considerada por muitos um inferno – principalmente em dias de sol! –, mas esse inferno deve ter um ímã para gente, porque (bem) freqüentado, ele é.

Manhã

Chego no meu destino às 7h30 do dia 2 de dezembro, uma quarta-feira. Para mim, seriam apenas mais algumas horas de entrevistas com pessoas que, por algum motivo, estavam no mesmo lugar. Enfim, nada de especial. Uma série de surpresas mudou completamente o rumo que eu – e esta reportagem – tomamos. Meu primeiro passo é abordar Márcia, 42 anos, que tinha acabado de chegar e montava sua barraquinha de lingerie. Ela me conta que trabalha na rua há quatro anos. Os biquínis são o seu carro-chefe. “Venho com duzentos quilos de mercadoria por dia numa perua, do Brás até aqui.” Seu lucro é de 40% sobre as peças, e no final de ano ela chega a vender até R$ 1.700,00 por dia. Faça as contas.

Em seguida, acho graça em ver a loja do Mc Donald’s aberta (desde as 7h). Cliente no horário, os funcionários garantem: tem. Cada caixa registra em média 1.700 pedidos por dia – contando que o Mc fica aberto até as 19h, isto resulta em 140 pedidos por caixa, por hora, ou 2,3 pedidos por caixa, por minuto. Ou seja, cerca de 25 segundos para cada pedido. São três ou quatro caixas funcionando simultaneamente. Haja fôlego. Gustavo, 22, é um dos gerentes. Hoje responsável por 63 funcionários, ele está na empresa há seis anos. Na 25, há um mês. Acabou de ser promovido. Ele acordou às 3h30, em Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista, para sair de casa às 5h30 e abrir a loja. Ali fica até as 16h30, quando começa a arrumar suas coisas para ir à faculdade. Gustavo estuda Administração na Uninove, à noite. Depois da faculdade, casa. Dormir? “Vou dormir depois de meia-noite e meia.” Você dorme três horas por noite? – eu pergunto. “É, a gente se acostuma.”

Como já  é de costume para quem está na rua todos os dias, uma aglomeração começa a se formar. O barulho de apitos ecoa na cabeça de quem passa. O major Tamoshino, 49, que é responsável por mais de cem policiais na região, explica: “Os camelôs queriam causar tumulto, mas já estamos conversando com eles”. Ele acrescenta que, além das manifestações dos ambulantes, ocorre muita apreensão de material ilegal e, principalmente, furto na 25 de Março. Veja o principal porquê, segundo ele: “Aqui tem muito chinês que anda cheio de dinheiro no bolso. Já que estão irregulares no país, eles não podem abrir conta no banco. Quando um é roubado, nem faz a ocorrência, porque senão ele é que vai para a cadeia. Muito dólar rola aqui, isto atrai a criminalidade”. E claro, o major não deixa de citar as donas que saem com dinheiro e cartões nas mãos de loja em loja, ou barraquinha em barraquinha. Durante esta conversa, escuto um policial militar falando para um ambulante: “Vai trabalhar em outro lugar. Aqui vocês não podem mais. Nós também queremos tranqüilidade”.

Vamos aos fatos – explicados por uma vendedora ambulante que estava no meio da discussão: a Guarda Civil Metropolitana era a responsável pela fiscalização na Rua 25 de Março há muito tempo. Evidentemente, acordos entre os guardas e os ambulantes já tinham sido feitos. Vez ou outra, quando a Prefeitura mandava ou os lojistas da região exigiam, a Guarda mostrava serviço. O resultado desse serviço, os paulistanos acompanhavam no noticiário (confusão, confronto e pancadaria). Aquela quarta-feira era a primeira em que a tal fiscalização passava a ser responsabilidade da Polícia Militar. Isto, em qualquer profissão: o primeiro dia é dia de mostrar serviço. Os policiais não faziam diferente, impedindo os camelôs de vender suas mercadorias.

Quem me contou tudo isso foi Telma, 30. A primeira frase que a escuto falar, dirigindo-se ao major Tamoshino, foi: “Mas e o leite das crianças?”. A segunda e a terceira, foram: “Assistência e emprego, ninguém dá. A gente vem trabalhar e ainda querem nos impedir”. Telma trabalhava como cozinheira em shopping, mas diz que desistiu do emprego porque não ganhava o suficiente para sustentar a casa. Então, passou a vender bijouterias na 25 de Março, como ambulante. A culpa de tudo aquilo, segundo ela, era do Executivo e dos lojistas: “Político só lembra de pobre em época de eleição. A gente entende a profissão dos policiais, mas eles podiam liberar ao menos a feirinha na rua. Quem não deixa são os donos das lojas”. “É só a gente quebrar tudo”, grita uma mulher que escutava a nossa conversa. Quando pergunto a Telma em quem ela votou para o cargo de prefeito nas última eleições, ela responde: “Não votei em ninguém, meu voto é da Bahia”, com o sotaque já completamente disfarçado pelos anos na cidade de São Paulo.

Telma tentou me levar para outros pontos da região em que policiais e camelôs discutiam. Vi que ela era uma das líderes. Mas aquilo não parecia que duraria muito. Vários mini-grupos de ambulantes, com cinco ou seis pessoas, formavam-se em pontos diferentes da 25 de Março. Tudo o que eles faziam era discutir, opinar, contar a própria história e como tinham chegado ali, mas não parecia ser mais do que isso. Então, decidi continuar minha caça a entrevistas com outros públicos na rua. Fui a uma lanchonete, na esquina da 25 com a Rua Basílio Jafet, onde Carla, 34, e Fabiana, 29, vizinhas, tomavam café da manhã: suco de laranja e esfiha de carne para as duas. “Viemos comprar pisca-pisca, Papai Noel e outros enfeites de Natal, mas a árvore já está montada”, conta Carla. “De repente, compro uma bolsinha também”, acrescenta. Elas, que chegaram às 9h20, pretendiam ficar até o meio-dia. “Estamos carregando as baterias para encarar isso aí”, diz Fabiana, referindo-se ao movimento que àquele horário já se fazia ver na rua. Quem fez o suco que as duas amigas bebiam foi Eduardo, 22. Aquele era o seu primeiro dia de trabalho na lanchonete. Ele chegou às 6h; para isso, saiu de sua casa, no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, às 5h. “Minha primeira função foi espremer o bagaço da laranja, mas acho que vão me dar outras coisas para fazer.” Até as 9h30, ele tinha espremido cerca de 300 laranjas, ou 600 metades de laranja.

Da lanchonete, vou à maior loja da 25. Na Armarinhos Fernando, o ventilador estava em promoção. O gerente, na porta, manda descer mais. Lá, oito bolas vermelhas para enfeitar árvore de Natal saíam por R$ 5,10. A boneca Maria Chiquinha “com cheiro de brincadeira” custava R$ 19,90.  E uma mangueira de 10 metros em PVC flexível para uso geral podia ser comprada por R$ 9,20. Informações não tão úteis à parte, às 10h20 ainda se ouvia o apitaço dos ambulantes na rua.

A poucos metros dali, vejo uma vendedora se aventurar entre pedras e peças diferentes na desmontagem de uma vitrine. Antônia, 28, na verdade, não é vendedora, mas vitrinista. Aquela é a sua profissão. Ela insiste que seria melhor para a minha matéria se eu conversasse com uma das vendedoras da loja. Eu digo que a sua história me bastava. Antônia já viu muita confusão na 25, pois tem vários clientes na rua. Enquanto conversa comigo, ela deixa várias pedras da vitrine que desmontava caír, mas diz para eu não me preocupar em pegá-las porque era normal. O segurança da loja começa a abaixar as portas com a aproximação dos ambulantes, que tinham crescido em número e faziam cada vez mais barulho. Ela me explica: “Geralmente, eles fecham as lojas com medo dos ataques. É comum jogarem ovos, aí fica aquele cheiro ruim”. O trabalho que Antônia ia colocar no lugar da vitrine que desmontava era para o Carnaval – já em dezembro. Ela, que fez um curso no Senac para exercer essa profissão, tinha começado o serviço quatro dias antes e pretendia acabá-lo ainda na quarta-feira.

Vejo que a manifestação não foi a lugar nenhum e saio da loja. Logo na calçada, em frente, encontro João, 42. Ele trabalha na 25 há dez anos, sempre com o “Pegue Ball” – a pessoa A joga uma bolinha para a pessoa B que pega essa bolinha com uma mini-bandeja acoplada à sua mão. O jogo é mais simples do que parece. Cada par custa R$ 12. João paga R$ 5 ao seu fornecedor. “Começo a trabalhar às 9h e vou até as 17h, isso quando a fiscalização deixa.” O movimento dos ambulantes que protestavam pela presença da PM se aproxima do local onde estávamos e João para de jogar o Pegue Ball com o seu parceiro. “Eles podem achar ruim de a gente não participar. Eu sempre participo e nunca resolve nada. Só queima o filme da gente.” Quando eles se afastam, o jogo recomeça, com a abordagem aos clientes: “Aceito dólar, euro e conta atrasada. É o Pegue Ball, R$ 12”.

Outra ambulante que não participava do apitaço era Celma, 27. Ela trabalha na 25 de Março há dois anos. Já vendeu cesto de roupas, “Bateu, colou” – o mesmo “Pegue Ball” do João –, e agora sua mercadoria é o ímã chinês (dois ímãs de formato cilíndrico que, jogados para o alto, produzem um barulho causado pela atração, choque e repulsão entre eles). Um par custa R$ 3, dois, R$ 5. Este Natal está fraco para Celma, que tem vendido cerca de 100 pares por dia. Em 2008, ela vendia 200. Mais uma vez, os manifestantes se aproximam de onde eu estava, com os apitos, que denunciavam sua movimentação. Celma desmonta o estande feito de papelão e os espera passar. “Faço isso mais ou menos oito vezes por dia, ou por causa dos camelôs ou por causa da Guarda.” Eu peço a ela que me demonstre como faz para vender os ímãs, que, aparentemente, não têm atrativo nenhum: “Ímã chinês, vem dar uma olhadinha, cliente. Se cair no chão, não quebra. É difícil encostar e não levar. O ímã é diferente. Serve também para segurar alfinete, moeda e recado na geladeira.” Segundo ela, o barulho que os ímãs fazem incentiva a compra. Celma para de me dar atenção e diz: “Eu acho que eles estão vindo”. Ela desmonta mais uma vez a barraca improvisada – e assim foi durante todo o dia.

“Ão, ão, ão, polícia é pra ladrão”, gritavam os camelôs às 10h30.

Bem, o que veio a seguir durou muitas horas, mas parece que se passou em minutos. Daquele momento em diante, a Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, virou um cenário de guerra. Ou o inferno, como muitos preferiam classificar.

Por volta das 10h40, a multidão corria na rua fugindo das bombas que os policias jogavam. Os PMs andavam pela 25 para espalhar os grupos de manifestantes e jogavam bombas de gás lacrimogênio. À medida que caminhavam, não economizavam no gás de pimenta que iam deixando para trás. Eu entro numa loja frações de segundo antes do segurança abaixar as portas. Lá dentro, vejo uma senhora que tinha corrido na minha frente para dentro do estabelecimento. Vendo-me com bloquinho e caneta nas mãos, ela me diz: “Agora não é mesmo a hora”. Cerca de 30 pessoas estavam presas dentro da loja, de 200 m2. Vejo mãe e filha conversando, como se nada estivesse acontecendo, decidindo qual seria o melhor enfeite para a árvore de Natal. “Mãe, este, para por na árvore lá fora, não fica bom?”, diz Nádia, 30. Ela conta que sempre acompanha a mãe porque na 25 encontra de tudo também para a sua casa, e mais barato. “Até agora gastamos R$ 300 em decoração de Natal, mas esta é a última loja. Estamos aqui há duas horas e meia. Só não fomos embora quando a confusão começou porque fecharam as portas.”

Helayne Cortez, 27, repórter do SBT Brasil há oito meses, aborda, com microfone em mãos, pessoas que passam na rua depois da confusão. Ela, como eu, não esperava que sua matéria fosse se transformar naquilo: “Cheguei aqui às 8h para fazer uma reportagem sobre funcionários temporários e agora estou cobrindo o factual. Fico até acabar”. Meio assustada, ela diz: “Levei gás de pimenta na cara!”. Eu também, Helayne.

Às 11h, minha unha, no tênis apertado, quebrou e começou a doer muito. Àquela altura, Folha de S. Paulo, Record, SBT, RedeTV, Band e Mix TV já estavam na 25 de Março. Eu cheguei antes de todo mundo. Diz-se no jornalismo que o bom profissional tem que contar com a sorte: estar no lugar certo, na hora certa. Imagino que seja assim em várias outras profissões. Enquanto eu procurava quem mais da imprensa estava por ali, um transeunte passa e diz em voz alta: “Mundo cão. Deus me livre”. Deus nos livre.

Antes do meio-dia eu já tinha muita fome e optei por fast-food. Era necessário que fosse “fast”, porque eu não podia correr o risco de perder nada importante. Volto ao Mc Donald’s, peço minha promoção do Big Mac que custa os usuais R$ 12,50 e subo ao segundo andar para me sentar. Durante a refeição, eu – e todo mundo que estava perto de mim – reparo em três jovens mochileiros que se comunicavam em alemão. Depois de comer, puxo assunto (em inglês) com Kai, 25, Jakob, 25, e Philipp, 27. Kai me conta que eles estão em São Paulo de passagem. Na verdade, os jovens de Frankfurt moraram um ano em Santiago, Chile, estudando Engenharia Mecânica e Administração de Negócios. Agora, antes de voltar para casa, foram conhecer o Brasil. Entenda-se por Brasil o Rio de Janeiro. Na ida, desceram do avião em São Paulo e passaram uma noite na região da Avenida Paulista. No Rio, conheceram a capital, Ilha Grande, Búzios e outras cidades da costa. Philipp me conta que o Natal passarão na Patagônia, já que a viagem antes da volta para casa ainda durará três meses. Eu pergunto se eles tinham escutado alguma coisa sobre a Rua 25 de Março e eles, ao negarem, perguntam em resposta o que tinha acontecido no dia 25 de março. Envergonhado, digo que não sei, mas que não era nada muito importante. [Ao chegar em casa, procurei na internet e vi que era importante, sim. Neste dia, em 1824, o imperador Dom Pedro I outorgou a 1ª Constituição do país.] Explico a situação dos camelôs aos alemães e encerro com uma pergunta: “What about the Brazilian girls?”, Philipp responde, em nome do grupo: “We’ve met some, but nothing serious”.

Tarde

Como se não fosse suficiente confronto entre camelôs e policiais militares até  agora, que não tinha acabado, apenas diminuído de intensidade – e gravidade, com menos bombas –, às 12h02 um homem, sentado na janela do sétimo andar do prédio de número 817 da 25 de Março, chama a atenção de quem passa por ali. Para mim, estava claro que ele só tentava arrumar alguma coisa na janela, mas a suspeita de tentativa de suicídio fez com que todo mundo fique olhando para cima. As pessoas gritavam “Puuuuuuuula”. Em menos de 15 minutos, mais de 300 homens, mulheres e crianças miravam o rapaz na janela, foi então que eu me dei conta de que devia, realmente, ser uma tentativa de suicídio. Algumas frases que escuto nos momentos de apreensão com o homem pendurado na janela: “Pula logo, infeliz. É uma ajuda moral, ué, já que ele quer pular, pula”; “Depois que ele se jogar a gente volta” – diz uma mãe para a sua filha, que não tinha mais de sete anos; “Vem pra cá, mano. Você vai ver o cara se estourar no chão” – jovem falando ao telefone; “Tá mó inferno aqui. Tem briga de polícia com camelô, tem um cara querendo pular do prédio” – também ao telefone. Chego a me sentir mal por achar graça na falta de sensibilidade da população. Mas nem tenho tempo para isso. Ao meu lado, uma contagem regressiva foi iniciada para incentivar o suicídio daquele que tinha conquistado seus 15 minutos de fama. Na verdade, uma hora e quarenta e dois minutos de fama, porque às 13h46 os bombeiros resgataram o pretensioso suicida. Confesso que durante esse tempo dei uma escapada ao Mercado Municipal e conversei com outras pessoas na 25, mas a situação permanecia exatamente a mesma quando voltei para a frente do número 817.

Na agência 0084-1 do Bradesco na 25 de Março conheci Sandra, 37. Ela trabalha ali como atendente de contas há quatro anos e foi a primeira pessoa que abriu o jogo comigo: “Este lugar é um inferno. A rua é muito tumultuada, suja. Não gosto de comer aqui, tenho nojo. As pessoas são mal educadas, principalmente os lojistas que têm dinheiro, porque eles acham que dinheiro é poder. Nem freqüento o comércio, apesar de saber que tem coisa barata e que vale a pena”. Todos os dias, antes de voltar para casa, Sandra para no Rei do Mate da estação de metrô São Bento para tomar um café: “É para passar o estresse”.

Por volta das 14h, o cenário de guerra voltou a tomar conta da rua. Criativos, os manifestantes jogam cocos do alto da Ladeira Porto Geral, que atingem os policiais localizados lá embaixo, na 25 de Março. Grupos atiram ovos nas vitrines das lojas. Focos de incêndio aparecem em vários pontos da rua. Dá-lhe gás lacrimogênio e de pimenta na nossa cara. Duas horas depois de vai-e-vem no confronto, começa a chover. Os lojistas não sabiam o que fazer. Às vezes, por minutosm, parecia que a paz tinha voltado, mas isto durava minutos. Assim, abre, fecha, sobe e desce porta em toda a rua. O batalhão de choque da PM perdeu o controle: balas de borracha eram atiradas contra a população – e os camelôs se misturavam no meio de clientes da 25 e de pedestres.

Maria Aparecida, 59, pagava no caixa da Armarinhos Fernando as compras que tinha feito. Pergunto se não tem medo de toda a situação e ela responde: “Infelizmente, eu vim hoje para a 25. Nunca tinha passado por isso. Via na televisão, mas não imaginava que podia acontecer comigo. Minha irmã e eu viemos de São Bernardo para comprar presentes para os netos. Eu tive vontade de ir embora, só não fomos porque ela é teimosa. É muito triste. Jogaram spray de pimenta na minha cara, senti tudo queimando. Não quero voltar mais aqui neste ano”. Ao nos despedirmos, ela me diz: “Você vai dar um lindo repórter” – espero que sim, dona Maria Aparecida. Sorri e desejei boa volta para a casa.

Noite

Às 17h, os vendedores de água foram embora, porque seus isopores tinham se esvaziado. A ocasião (pimenta no olho de todo mundo e muita tosse devido aos gases) contribuiu, e eles não deixaram de usar isso ao seu favor: ‘Pra garganta com gosto de pimenta, olha a água gelada!’.

Às 17h30, alguns lojistas se cansaram do jogo de gato e rato, ou melhor, do fecha e abre das portas de acordo com a movimentação dos manifestantes na rua e as abaixaram de vez.

Às 18h, muitas lojas chegavam ao fim do expediente, no seu horário normal. A chuva e a polícia na rua fizeram com que alguns lojistas antecipassem o fim do dia comercial.

Às 19h, os últimos moicanos se despediam dos clientes que ainda passavam pela região.

Às 20h, a 25 de Março se passava por qualquer outra rua comercial da cidade. O lixo já tinha sido recolhido e o fogo, controlado. À parte os resquícios de ovos em algumas vitrines, não dava para imaginar o que tinha se passado ali nas últimas doze horas e meia.

E às 20h15, depois de 15 minutos sentado nos degraus da entrada do Bradesco esperando para ver se algo ainda acontecia, este repórter deu fim ao seu expediente.

Balanço do dia: eu vi muitas pessoas de todos os tipos, diferentes gostos, estilos, e que me disseram de tudo, menos o que eu queria ouvir. Não encontrei ninguém que só fosse elogios à 25. Certamente, a culpa é toda minha, pois em algum lugar haveria de se encontrar  alguém que me dissesse: “Este lugar é o paraíso”.

No dia seguinte àquela quarta-feira, mais protesto. Desta vez, sem tentativas de suicídio.

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